Regulamentação de visitas: 5 coisas que você precisa saber
Família é conceituada, pelo Dicionário Aurélio, como um “grupo de pessoas que partilham ou que já partilharam a mesma casa e que normalmente possuem relações entre si de parentesco, de ancestralidade ou de afetividade”.
Estas relações podem se perpetuar no tempo, como acontece com filhos e demais descendentes, ou podem acabar por findar, como pode ocorrer como um casal que decide se separar e, portanto, extinguir o vínculo conjugal existente.
Diferentemente de um divórcio, as relações familiares com os filhos e demais descendentes não se acabam, não existindo, assim, um “ex-filho”, ao contrário de um “ex-namorado” ou “ex-marido”.
Acontece que é habitual que o rompimento da relação conjugal também leve ao debate de como se dará a criação da prole, necessitando da intervenção de um terceiro para uma resolução.
Para ilustrar esta situação, vamos usar como paralelo a história das Coreias.
Calma! Não estranhe. Tudo fará sentido no decorrer da sua leitura.
A Coreia do Sul e a Coreia do Norte, até o ano de 1910, compunham um só país, então constantemente disputado pelos chineses, mongóis e japoneses. Neste ano, o Japão passou a ocupar a região, suprimindo a cultura coreana até a eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1945, quando os japoneses se renderam após sofrer com a explosão das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki.
Com a derrota do Japão, a região coreana foi dividida em duas regiões, que foram ocupadas pelos vencedores da guerra: os americanos ficaram ao sul e ao norte a parte soviética, correspondendo ao antagonismo da Guerra Fria, similarmente ao que ocorreu na Alemanha, no intuito de atender os interesses geopolíticos dos EUA e da União Soviética.
Assim, em 1948 são criados dois Estados: Coreia do Norte e Coreia do Sul, tais quais como conhecemos atualmente.
Com as divergências políticas e econômicas existentes entre os dois territórios, somados ao interesse comum de domínio integral da região, criou-se um cenário de instabilidade, que acabou eclodindo em um confronto armado entre os dois países, ora chamado de Guerra da Coreia.
A Guerra da Coreia iniciou em 1950, quando tropas militares norte-coreanas invadiram o território pertencente à Coreia do Sul sob a justificativa de ultrapassar o limite territorial estabelecido, quando na realidade o intuito era de unificar o país e estabelecer o socialismo como sistema político.
A ONU, então, interveio, aprovando uma coalizão estrangeira, em sua grande parte formada por soldados estadunidenses, que contra-atacaram e ocuparam a Coreia do Norte, restabelecendo o limite territorial previamente estipulado.
Por ora, vamos parar por aqui.
Para entender o que a história mundial tem a ver com o instituto jurídico que estamos abordando hoje, continue lendo o nosso artigo. Como falamos, tudo fará sentido ao final. Sem spoilers.
1 – O que é o direito de visita?
O direito de convivência, comumente conhecido como direito de visita, é o direito previsto legalmente de o pai ou a mãe que não possua a guarda dos filhos, possa conviver com estes, mediante comum acordo ou determinação judicial.
Diz-se direito de convivência porque se compreende que o genitor não visita o seu filho, mas sim convive com este por certo período de tempo durante a semana ou mês, exercendo o seu papel de provedor e responsável legal da criança.
Como dito previamente, com o fim da sociedade conjugal, o vínculo entre o casal se extingue, não devendo, entretanto, este fim interferir na relação com os filhos menores de idade, considerando que ambos continuam incumbidos de zelar pelos cuidados de sua prole.
No intuito de que haja um consenso acerca de como se dará a convivência dos genitores com os filhos diante da separação do casal, faz-se necessário, muitas vezes, uma ação de regulamentação de visitas, que comumente é cumulada com a ação de guarda e alimentos, podendo até mesmo ser regulamentada na ação de divórcio.
Voltando brevemente à história das Coreias, após a eclosão da disputa entre os dois territórios, a ONU, prevendo uma escalada do conflito, interveio, enviando tropas americanas.
Em resposta, os chineses passaram a apoiar a Coreia do Norte, que culminou, muitos anos depois, em uma paridade de forças, resultando em poucos “avanços” no conflito, até, por fim, a assinatura de um armistício em 1953.
O ponto em comum que queremos deixar evidenciado aqui é o conflito entre as partes envolvidas: a falta de diálogo e a ausência de concessões e negociações podem resultar em batalhas durante o processo de divórcio, por exemplo.
Falamos como exemplo porque em uma ação de dissolução de união estável ou até mesmo o final de um relacionamento como um namoro, a regulamentação de visitas ou de convivência é possível de ser realizada, não sendo necessário existir a formalização da união civil para que seja estipulada a convivência da criança com os seus genitores.
Assim como ambas as Coreias desejavam ter o domínio do território de forma integral, é possível que ambos os genitores da criança também venham a ter “choques” em razão de um interesse comum de “ter” o menor mais próximo de si, sendo necessária a intervenção de um terceiro para definir como ocorrerá a relação entre essas partes, tal qual a ONU.
2 – Qual a diferença de guarda e visitas?
A guarda e a convivência são diferentes.
Apesar de se confundirem, a guarda diz respeito à tomada de decisões, que pode ocorrer de forma conjunta ou unilateral, por um dos genitores, enquanto que a convivência ou o direito de visitas é referente ao tempo que cada genitor terá com os filhos, sendo necessária essa estipulação em qualquer modalidade de guarda.
O direito brasileiro prevê duas modalidades de guarda: a guarda unilateral e a guarda compartilhada.
Antes de tudo, é importante destacar que independentemente do tipo de guarda escolhido ou do relacionamento existente ou não entre os genitores, compete a ambos os pais o pleno exercício do poder familiar.
Na guarda unilateral, a tomada de decisão é exclusiva de um genitor: a resolução acerca da educação, saúde e lazer da criança é feita de forma exclusiva por um dos genitores que detém a guarda do filho. Convém ressaltar que este tipo de guarda é exceção.
Na guarda compartilhada, há a divisão igualitária de direitos e responsabilidades entre os genitores sobre os interesses do menor, além do direito de convivência igualitário e equilibrado com os filhos.
No acordo de guarda compartilhada, as responsabilidades sobre o bem estar da criança são distribuídas entre os pais.
Nesse sentido, os genitores devem decidir de forma conjunta sobre as principais questões envolvendo a criação do jovem: escola onde vai ser matriculado, atividades físicas e esportes que vai praticar, autorização de viagens para o exterior, eventual mudança de residência, datas em que a criança vai para a casa do pai e/ou da mãe, etc.
Ou seja, ambos genitores participam de forma ativa da vida da criança e são responsáveis por tomar decisões sobre ela.
A guarda compartilhada, por sua vez, é a regra, sendo inclusive objeto da Lei nº 13.058 de 2014, a qual deve ser utilizada toda vez em que for observado o exercício regular do poder familiar pelos genitores, ainda que estes não entrem em acordo sobre a divisão da guarda dos filhos.
Veremos que o juiz, no decorrer do processo, sempre observará o melhor interesse do menor, sendo certo de que a contínua convivência com os seus pais é o mais prudente para o seu desenvolvimento sadio.
Até neste ponto podemos traçar um outro paralelo entre as Coreias.
A Coreia do Norte permanece um país fechado e repressivo com os seus cidadãos, sob o comando único do ditador Kim Jong-Un, que restringe o acesso à internet, às mídias e ao mundo exterior, o que consequentemente leva o país a sofrer economicamente com a contínua dependência de insumos e investimentos da China e da Rússia, unicamente, considerando o declínio da União Soviética, que era sua principal parceira comercial.
Já a Coreia do Sul, apesar de ter enfrentado regimes militares ditatoriais após a Guerra das Coreias, atualmente vive uma democracia sólida, em rápido e grande crescimento econômico, atraindo parceiros comerciais por todo o mundo, sendo hoje um dos países com maior concentração de empresas de alta tecnologia.
Pode-se perceber, assim, que a tomada de decisões de forma unilateral pode ter alguns resultados desastrosos, sendo preferível a participação conjunta e democrática dos genitores na vida da criança. Isto, claro, quando ambos possuem plenas e perfeitas condições de exercer o papel que lhes é designado.
3 – Para que serve a regulamentação de visitas?
No intuito de assegurar a convivência familiar pacífica entre genitores e filhos, por vezes se faz necessário regulamentar como será o novo dia-a-dia da família após a separação do casal.
Tomamos, como ilustração, o relacionamento atual entre as duas Coreias.
A guerra nunca acabou oficialmente. Um tratado de paz nunca foi assinado.
Apesar da trégua assinada em 1953, a relação entre os dois países permanece estremecida até os dias presentes, inflamada, em algumas ocasiões, pelo programa nuclear norte-coreano (nada como atear fogo na fogueira, né?).
Este armistício resultou em uma zona desmilitarizada entre os dois países, existente até hoje, denominada de Panmunjom, considerada como um dos locais mais tensos do mundo, justificada pela presença comum de soldados da Coreia do Norte, da Coreia do Sul e dos Estados Unidos, que ficam encarregados de vigiar o sul da fronteira com os militares sul-coreanos.
A Zona Desmilitarizada da Coreia, ou a DMZ, foi palco de negociações militares entre a ONU e a Coreia do Norte e, mais recentemente, da visita do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, que se tornou o primeiro presidente americano a entrar na Coreia do Norte.
Vê-se que para existir o mínimo de pacificidade entre esses dois países, foi necessária a intervenção da ONU e dos Estados Unidos, atores os quais ditam os limites e as condições para que o diálogo entre as Coreias possa ocorrer.
Algo muito similar ocorre na regulamentação de visitas, que tanto pode ser acordada de forma amigável entre os genitores, levando ao juízo apenas para a ratificação de um acordo feito, como também pode haver a imposição de regras, tal qual a ONU impõe sanções à Coreia do Norte em razão dos seus programas nucleares e balísticos.
A regulamentação de visitas, então, tem o intuito de fixar parâmetros para a convivência do menor com os seus genitores, estipulando, por exemplo, com quem ele irá passar as férias escolares, com quem ele irá passar as festas de fim de ano, quem irá deixá-lo e buscá-lo na escola, quem ficará encarregado de levar para as atividades extracurriculares, quem será responsável por levá-lo aos eventos sociais, entre outros.
É também estabelecida a frequência de dias de convivência, a quantidade de feriados que serão passados em conjunto, os horários de início e término da convivência, quantos dias das férias escolares cada genitor terá direito, entre outras possibilidades.
4 – Quem pode ingressar com a ação de regulamentação de visitas?
A ação de regulamentação de visitas pode ser proposta por qualquer um dos genitores.
Não há previsão legal no sentido de privilegiar um pai ou uma mãe, sendo assegurado, sobretudo, o convívio com ambos os genitores e sempre sendo observado o melhor interesse da criança.
Além disso, o direito de convivência pode ser estendido aos avós, conforme o artigo 1589 do Código Civil, que é chamado pelos tribunais de “visitação avoenga”.
Assim, um avô ou uma avó pode ajuizar uma ação de regulamentação de convivência, buscando assegurar o contínuo contato com o neto.
Entretanto, é importante ressaltar que a convivência será exercida de forma prioritária pelos genitores, sendo estendida de forma excepcional aos avós.
No intuito de demonstrar como essa discussão pode ocorrer no judiciário, destaca-se uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, datada de 2018, na qual a corte decidiu por suprimir o direito de visitação do avô paterno da criança que buscava a regulamentação de visitas periódicas ao neto.
Esta decisão se baseou nos estudos multidisciplinares realizados no decorrer do processo, que demonstravam que o clima de animosidade entre o avô paterno e os pais da criança era prejudicial ao seu tratamento médico, considerando que o menor havia sido diagnosticado com transtorno do espectro autista, não podendo, assim, ser submetido a situações conturbadas como a existente entre as partes.
A relatora do caso, a Ministra Nancy Andrighi, fundamentou ainda esta medida excepcional na proteção ao menor:
A insistente negativa dos recorrentes em viabilizar esse convívio se revela justificável na hipótese, pois o menor, diante do complicado quadro psíquico que enfrenta, deve ser preservado ao máximo, impedindo-se, o quanto possível, que seja ele exposto a experiências traumáticas e, consequentemente, nocivas ao seu contínuo tratamento.
5 – Como funciona uma ação de regulamentação de visitas?
A regulamentação de visitas ocorre através de uma ação judicial, geralmente ajuizada por um dos genitores para definir os parâmetros da guarda e da convivência, podendo também haver a fixação de pensão alimentícia.
Resumidamente, a regulamentação de visitas pode ocorrer em um mesmo processo para definir a guarda, a convivência e os alimentos dos menores, havendo ainda a possibilidade disso tudo ser definido na mesma ação do divórcio do casal, a depender do tribunal de cada estado brasileiro.
Havendo a separação do casal, pode iniciar a discussão de como será dividida a guarda dos filhos. Falamos “pode iniciar” porque é possível que os genitores se separem de forma amigável, optando por não impor regramentos para a convivência do menor com o outro genitor.
Assim, pode ficar estabelecido, por exemplo, que ambos terão direito livre de buscar o filho a qualquer momento, mediante unicamente comunicação prévia por qualquer meio eletrônico, sem a estipulação de horários e datas.
Em não sendo possível dispor desta pacificidade, é, então, necessária a intervenção do Poder Judiciário, que ficará responsável por analisar a dinâmica familiar e decidir como será a convivência a partir da separação dos genitores.
Ao ajuizar a ação, o genitor requerente já pode especificar os termos desejados da guarda e da convivência, a exemplo de direito de visita em finais de semana alternados, estar com a criança no Dia dos Pais ou Dia das Mães, nos anos ímpares passar o Natal com um genitor e nos anos pares com o outro, entre outros.
Os termos também podem variar com a idade da criança, considerando os cuidados e especificidades de cada período da vida.
Uma vez proposta a ação, a outra parte será chamada ao processo, para informar se concorda com as regras sugeridas ou se deseja estabelecer outras condições, iniciando, então, o debate processual acerca da convivência dos menores com os seus genitores.
Em se tratando de casos urgentes, poderá ser requerida a tutela provisória de urgência, comumente denominada de liminar.
Este pedido tem o intuito de determinar, de forma provisória e imediata, como ocorrerá a divisão da rotina do menor entre os seus pais, até antes mesmo de oportunizar a defesa da outra parte.
O juiz, verificando a gravidade e a urgência do caso, pode proferir decisão estabelecendo termos temporários que durarão até a decisão final do processo. Essas determinações geralmente acontecem de forma emergencial quando um dos genitores tem negado o direito de convivência com o próprio filho.
Passada a fase em que todas as partes já estão no processo, iniciará o que se chama de instrução, o momento processual de produção das provas, que consiste em: apresentação de documentos, a oitiva de testemunhas, o estudo psicossocial e, por fim, a oitiva do menor.
Como dissemos anteriormente, as decisões judiciais sempre devem se basear no melhor interesse da criança.
Independentemente do que os genitores possam alegar em suas manifestações processuais, o juiz do caso deverá sempre ter em mente, ao proferir suas decisões, qual situação de convívio é melhor para o desenvolvimento e para a saúde do menor envolvido no conflito.
No julgado do STJ que destacamos acima, o contato recorrente da criança com o avô paterno seria prejudicial ao seu tratamento médico, conforme demonstrado pelos estudos realizados no processo. Assim, não faria sentido que o judiciário brasileiro, no único intuito de atender aos interesses do avô paterno, obrigasse a visitação periódica e habitual deste familiar, ainda que este tenha o seu direito de convivência assegurado pela legislação.
Então, em não havendo consenso entre os genitores envolvidos, caberá, ao final, a decisão do judiciário em definir os melhores parâmetros para a convivência do menor com os seus pais.
Dica bônus!
Como vimos, a organização para a regulamentação de convivência é de extrema importância, considerando que ambos os genitores possuem direitos e deveres no cotidiano da criança, mas nem sempre entram em concordância de qual forma ela pode ocorrer.