PT DIVIDIDO ENTRE APOIO E CRÍTICA A MADURO
O impasse nas eleições venezuelanas tornou-se um teste diplomático para o governo brasileiro, que busca se manter como mediador da situação no País vizinho, conflagrado por protestos após a reeleição declarada de Nicolás Maduro – resultado que oposição e diversas autoridades internacionais contestam.
Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o desafio não é só de se equilibrar entre a cobrança de transparência e a manutenção de diálogo com o governo chavista – que nos últimos dias já expulsou do País representantes de ao menos sete países que contestaram o pleito.
Lula também se equilibra entre a posição adotada pelo Itamaraty – que, desde a segunda-feira (29), dia seguinte à votação, pede a divulgação dos dados desagregados por mesa de votação – e um PT que, em nota, reconheceu a vitória de Maduro, ao tratá-lo como “presidente agora reeleito”.
Lula foi questionado sobre a nota do PT, e buscou minimizar as críticas ao partido pela publicação do documento.
“O PT reconheceu, a nota do Partido dos Trabalhadores reconhece, elogia o povo venezuelano pelas eleições pacíficas que houve. E ao mesmo tempo ele reconhece que o colégio eleitoral, o tribunal eleitoral já reconheceu o Maduro como vitorioso, mas a oposição ainda não”, disse Lula.
A oposição venezuelana, porém, diz que o Poder Judiciário é dominado por Maduro. Também contesta a noção de que haja uma normalidade no processo político do país, apontando que, ao longo dos anos, o chavismo passou a controlar órgãos como a Suprema Corte e o Conselho Eleitoral.
Além disso, órgãos de direitos humanos, como o da Organização das Nações Unidas (ONU), apontam violações em resposta a protestos no país e prisões arbitrárias de oponentes, além da inabilitação política de muitos deles.
A cautela de Lula ao tratar da questão venezuelana tem diferenciado o mandatário brasileiro de outros líderes de esquerda latino-americanos, como o presidente chileno, Gabriel Boric, e o presidente colombiano, Gustavo Petro, que têm sido mais vocais em seus questionamentos quanto à lisura do processo eleitoral venezuelano.
Um primeiro passo para entender a nota do PT é compreender o papel da área de relações internacionais dentro do partido, observa Lincoln Secco, professor de História Contemporânea da USP e autor de História do PT (Ateliê Editorial, 2018).
“A área de relações internacionais do PT é aquela que se coloca mais à esquerda na direção do partido”, observa Secco.
Tendências
Isso acontece, segundo ele, porque o PT é um partido de tendências (ou seja, composto por diferentes correntes internas que disputam entre si). E, historicamente, os setores mais à esquerda não têm os principais cargos, ocupando áreas que são vistas como secundárias, como a de relações internacionais.
E também o fato de o PT ser ligado ao Foro de São Paulo, articulação de partidos e movimentos políticos latino-americanos e caribenhos, que tem entre seus membros o Partido Comunista de Cuba; a Frente Sandinista de Liberação Nacional, de Ortega; o Partido Socialista Unido de Venezuela, de Maduro; o Movimento ao Socialismo, do presidente da Bolívia, Luis Arce; entre outros.
Na avaliação do historiador, embora muitos acreditem que o PT tem autonomia em relação ao governo, isso não ocorre.
O professor Feliciano de Sá Guimarães, do Instituto de Relações Internacionais da USP, expressou um ponto de vista diferente do de Secco. Para Guimarães, a cautela de Lula ao tratar da questão se deve justamente ao fato de que o tema Venezuela é muito sensível internamente.
“O custo de reconhecer Maduro como vitorioso é muito alto para o governo brasileiro”, disse Guimarães. “Esse é um tema muito delicado domesticamente, porque a maioria da população brasileira tem uma visão muito negativa da Venezuela e do governo Maduro.”
Além disso, os laços entre Lula e o PT e aliados de esquerda considerados controversos, como Maduro, são um frequente tema de ataques feitos por opositores como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados.
Lincoln Secco avalia, no entanto, que a dissonância entre a posição do partido e a do Itamaraty poderá se complicar ou se resolver, a depender do desdobramento da crise na Venezuela.