Professores, não subestimem os estudantes
É comum alunos se tornarem passivos no fundamental e seguir assim até o final do ensino médio. Isso não pode mais continuar. É necessário que os jovens se sintam pertencentes, acolhidos, importantes e notados.
Que aluno nunca ouviu de um professor: “Se vocês prestarem atenção ou não, meu salário vai cair na conta de qualquer jeito?”
Após fazer essa indagação, Maria Luisa, estudante de Pernambuco, continua: “O que desmotiva é que estamos constantemente atolados em conteúdos passados por professores que não se importam em saber se conseguimos aprender a real relevância daquilo, mas sim se vamos passar na prova deles. Ensinam por nota. Estão tão desmotivados quanto nós.”
A jovem traz para a discussão um velho e importante assunto: “Como conseguir a atenção dos alunos nas salas de aula?”
Não sou professor, mas há anos tenho contato direto com milhares de jovens de todo o Brasil e já perdi a conta da quantidade de vezes que ouvi relatos tanto sobre professores que aparentemente não gostam de dar aula quanto sobre casos de professores que lecionam aulas incríveis e cativantes.
Para esta coluna, decidi não colocar o destaque nas atitudes e abordagens de docentes que desagradam e os distanciam os jovens, mas sim nas que os aproximam e que, na perspectiva dos alunos, são eficientes no sentido de despertar o interesse. Para isso, tive a oportunidade de falar com cerca de 70 estudantes de todo o país.
Instigar a participação
Algo que apareceu em muitos relatos foram casos de professores que não medem esforços para tornar as aulas mais atrativas, leves e divertidas. Além disso, eles gostam bastante de quando o professor busca maneiras de os instigar e de incluí-los na construção da aula.
Renata, jovem maranhense, tem um bom exemplo: “No terceiro ano do ensino médio, tive uma professora de Literatura muito bacana. A metodologia dela consistia em sala de aula invertida. Ou seja, o aluno é quem dava a aula, e ela só fazia comentários. Isso certamente nos instiga bastante a participar.”
Relação com o “mundo real”
Outro ponto em comum entre os estudantes é que costumam gostar de quando o professor relaciona a disciplina com o “mundo real”. Isso ajuda muito a conquistar aquilo que muitos docentes buscam: que o conteúdo faça sentido para os alunos.
Hellen, jovem pernambucana, se lembra de uma professora que conseguia fazer isso de uma forma bem eficiente: “Lembro-me da professora Délvia Fox, que mesmo durante as aulas on-line conseguiu chamar nossa atenção, pois usava temas sociais para explicar os assuntos. Era um por semestre. Por exemplo, quando dava aula de inglês, o tema do semestre podia ser racismo, desigualdade social, gênero, etc. E ela trazia exemplos de casos nacionais e internacionais, abrindo espaço para debatermos e nos expressarmos. Gostávamos das aulas porque enriqueciam o estudo da língua inglesa, indo além da sala de aula, para a sociedade em geral e diferentes culturas.”
Incentivo que faz a diferença
Sei que alguns professores são leitores desta coluna. Portanto, quero fazer um apontamento importante: tornar a aula atrativa para os alunos e garantir a participação não necessariamente significa precisar fazer músicas, organizar debates e utilizar instrumentos e recursos que demandam um esforço excessivo e possivelmente até mesmo um custo financeiro.
“Tenho um professor de Física de que todos gostam. Ele nem utiliza muitos recursos. Chegava à aula apenas com suas canetas e disposto a fazer todos entenderem. Eu acho que o ponto principal dele é sempre ter incentivado seus alunos, e isso fez totalmente a diferença. A minha turma não era boa nessa matéria, mas ele ensinava a teoria, valorizava como cada um entendia e sempre ia de carteira em carteira. Ele sempre reforçava o quanto a gente era capaz. Nem todos os alunos possuem um apoio fora da escola, e muito menos um incentivo para estudar. Não é responsabilidade do professor fazer isso, mas eu acho que é um diferencial e tanto nos resultados”, diz Maryna, estudante mineira.
Atenção às dificuldades e amor pelo conteúdo
Professores, não subestimem os estudantes. Até mesmo o mais distraído é, provavelmente, mais atento do que parece. Eles percebem claramente, e apreciam muito, quando vocês os notam como indivíduos e genuinamente se importam com eles e com suas dificuldades. Além disso, percebem também o seu domínio e amor pela disciplina lecionada.
Maria, jovem pernambucana que iniciou nossa discussão, corrobora o ponto acima: “Já tive excelentes professores que conseguiram fascinar os alunos. Uma professora de Artes e um de História. Estudo em uma escola de rede estadual integral, então as aulas sempre se tornam algo maçante para os alunos por demorarem muito tempo, mas é nítido que os alunos sempre se interessam mais pelas aulas dos professores em questão. Ambos possuem uma coisa em comum: a paixão por aquilo que ensinam e o interesse em transmitir isso para os alunos. Não a matéria, mas o amor pelo conteúdo”, diz.
“A professora de Artes sempre se entusiasma falando sobre as telas, os pintores e nos ajuda a entender como aquele tipo de arte influenciou a sociedade e a sua importância. O professor de História é do mesmo jeito, se exalta, se anima e até interpreta as grandes personalidades, conta em detalhes específicos e como se fosse uma ‘fofoca’, nos fala sobre curiosidades que não são cobradas em vestibulares, mas que servem para entender o contexto e despertar o interesse. Além disso, nos estimula frequentemente com perguntas que nos fazem refletir sobre o assunto e debater”, exemplifica.
Alunos subestimados ou comparados entre si
Decidi não focar nos aspectos que desagradam os alunos, mas sinto que não posso concluir este texto sem citar um deles: o fato de alguns professores subestimarem e não acreditarem no potencial de estudantes. Nesses casos, é comum não terem paciência para tirar dúvidas e fazerem a infeliz escolha de comparar alunos. Não no sentido de empoderar, mas sim de reforçar estereótipos.
Marília, jovem de Alagoas, passou por isso e gostaria de compartilhar sua perspectiva: “A minha experiência com meus professores, desde o primário até o presente, é que a maioria deles não tem conhecimento de que não são todos os alunos que tiveram oportunidades de ter pais ou alguém que, de alguma maneira, os influenciou a estudar.”
Ela continua: “São pouquíssimos os alunos de escola pública que tiveram essa oportunidade. E infelizmente os professores não dão aulas que abranjam a todos de modo a fazer a gente se sentir incluído. Por exemplo, aqui na minha escola, quando é Dia do Estudante, eles dão uma medalha a apenas um aluno por turma e dizem que o motivo é por não ter dinheiro para comprar para todos – e nós sabemos que isso é mentira. Aí eles fazem o discurso: ‘Aluno fulano de tal, o aluno inteligente da sala tal’. Então os outros são burros, é? E nas salas de aula acontece a mesma coisa. Uma vez, no ano passado, tive uma professora que riu e fez os outros alunos rirem da minha nota. E daí, eu me incluía nesses alunos que a escola ‘achava incapazes’.”
Relação horizontal de troca de conhecimento
Ouvir todos esses relatos me fez lembrar de uma professora que tive na graduação e que se chama Helenita. Lembro que ela dizia que sua proposta não era uma relação vertical de transmissão de conhecimento, mas sim uma relação horizontal de troca de conhecimento. Ela frisava que podia aprender conosco na mesma medida que podíamos aprender com ela.
A escola não pode seguir sendo um espaço em que o jovem só vai para copiar e colar, sendo assim um agente completamente passivo no processo de aprendizagem. É muito comum a maioria, infelizmente, se tornar esse agente passivo no fundamental e seguir assim até o final do ensino médio. Isso é grave e não pode mais continuar. É necessário que os jovens se sintam pertencentes, acolhidos, importantes e notados.
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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.