O que mudou no futebol brasileiro desde o 7 a 1 para a Alemanha
O 7 a 1 sofrido pela seleção frente à Alemanha há dez anos, no Mineirão, deixou uma ferida aberta no futebol brasileiro e trouxe questionamentos sobre o que houve de errado. Tamanho vexame não se repetiu, mas a seleção teve outras frustrações nas duas Copas seguintes, mesmo com a novidade de apostar em um trabalho longevo concedido a Tite, no início praticamente unanimidade, louvado por suas ideias táticas e responsável pelo último título mundial de um clube do Brasil.
De 2014 para cá, muito se debateu sobre as razões de o País ter perdido o protagonismo que tivera outrora. Nossos técnicos estavam ultrapassados? As últimas gerações de jogadores não foram das melhores e perderam a identificação com a equipe nacional? A demora na construção de gestões profissionais nos clubes e o histórico de corrupção na CBF atrapalharam a evolução da modalidade no mesmo compasso do desenvolvimento ocorrido na Europa?
Enquanto tudo isso era discutido, ao longo da última década, mudanças ocorreram no futebol nacional. Se elas foram consequências da goleada traumática não é fácil precisar, ao mesmo tempo em que não chega ser incoerente traçar algumas correlações.
O 7 a 1 sofrido sob o comando de Felipão, um dos treinadores mais vitoriosos da história do futebol nacional, intensificou questionamentos que já vinham sendo construídos. Havia um abismo entre as ideias de jogo do Brasil e da Alemanha? Para o campeão do mundo Clodoaldo, a principal lição tirada dali foi parecida àquela que Zagalo aprendeu em 1974, porém de forma muito mais aguda.
“Talvez o 7 a 1 tenha influenciado a classe de técnicos em relação à preocupação de se resguardar. O Brasil é favorito, mas não é porque tem uma história que não existem adversários que podem apresentar um grande futebol. E vejo que temos bons técnicos no futebol brasileiro. Acho que isso não tem influenciado em termos de organização tática. Houve um descuido, que favoreceu a Alemanha, e uma desorganização de momento”, avalia.
As dúvidas referentes a involução do jogo brasileiro recaíram sobre os técnicos mais experientes, que tiveram um momento de desprestígio, mas não chegaram a sumir do cenário. O próprio Felipão se reergueu e até campeão brasileiro foi com o Palmeiras, em 2018, embora outros tenham tido mais dificuldades para repetir o sucesso do passado, como Vanderlei Luxemburgo. Surgiram treinadores mais jovens, e muitos não vingaram, em movimento que antecedeu a atual febre por comandantes estrangeiros, especialmente portugueses.
No universo da seleção, o primeiro passo após o vexame foi trazer Dunga de volta, em passagem que durou até 2016, quando a imagem de Tite surgiu resplandecente como a opção mais sensata, afinal era o atual campeão brasileiro e já havia dado um Mundial e uma Libertadores ao Corinthians. Foram seis anos de trabalho, um ciclo jamais concedido pela CBF a um treinador.
Dar continuidade ao trabalho após a eliminação para a Bélgica na Copa de 2018 era uma espécie de flerte com o jeito de pensar dos carrascos alemães, que tiveram apenas 12 treinadores em sua história e quando foram campeões no Brasil tinham Joachim Löw no comando há oito anos, que se tornaram quase 14, já que ele só deixou o cargo em 2021.
Sem a paciência alemã, a CBF encerrou o ciclo de Tite após a queda para a Croácia nas quartas de final da Copa de 2022. O presidente Ednaldo Rodrigues sonhou com a contratação de Carlo Ancelotti, do Real Madrid, seguindo a corrente de que a solução para o futebol brasileiro é imitar a Europa. Antes de apostar em Fernando Diniz e substituí-lo por Dorival Júnior, o dirigente chegou até a anunciar um acordo com o treinador italiano, que renovou com o clube merengue.
O torcedor brasileiro vive um ciclo de frustrações com a seleção desde a decepcionante Copa de 2006, ano em que uma equipe cheia de astros não rendeu o esperado, e ter um resultado como o 7 a 1 neste período de jejum só aumenta a insatisfação. Soma-se a isso o fato de o Brasil ser representando por uma maioria de jogadores que atuaram pouco tempo no País e não construíram maior identificação nacional.
A sensação de um afastamento entre torcida e seleção, contudo, é questionada por profissionais do mundo da bola, caso de Dunga, um dos responsáveis por interromper a seca pós-1970 como capitão do tetra em 1994 e treinador do Brasil eliminado nas quartas de final para a Holanda em 2010.
“Desde 94, se você fizer uma pesquisa, é sempre a mesma tecla, o público está distante da seleção. ‘Ah, a seleção não vende’. Mas se a seleção é só para o torcedor, por que isso acontece? Se ninguém vai assistir, por que eles continuam passando o jogo na televisão?”, afirma Dunga. “O povo continua apaixonado pela seleção, e o torcedor quer ver a seleção ganhar, não é? Não tem outra forma. Então eu acho que há muita discussão para gerar polêmica, mas eu vejo o torcedor na rua, os caras continuam apaixonados pela seleção brasileira.”
Já Clodoaldo consegue enxergar um pouco da tão comentada desconexão dos torcedores, mas entende o comportamento como natural e acha que boa parte do público não consegue ficar longe da seleção mesmo em estado de desânimo.
“Acho que existe um desinteresse, mas não é generalizado. Quando um time começa a jogar mal, perder, o torcedor se aborrece e não vai mais os jogos. Com a seleção brasileira, é isso que tem acontecido também. O torcedor acha que não está jogando bem, se desinteressa um pouco, mas, quando começam as competições, mexe com a emoção e os torcedores ainda vibram e sofrem”, diz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.