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Maconha medicinal: médicos farão campanha contra resolução que possa restringir uso da substância

Maconha medicinal: médicos farão campanha contra resolução que possa restringir uso da substância

Há um clima de apreensão entre os médicos prescritores de canabinoides – produtos derivados da maconha para uso medicinal – e os pacientes que se beneficiam com esse tratamento. Os números são expressivos: calcula-se que entre 2% e 3% dos 550 mil médicos que atuam no País indicaram fitocanabinoides para cerca de 430 mil pessoas em 2023. O motivo?

Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), que deve ser divulgada até o fim do ano, pode voltar a restringir a possibilidade de receitar tais substâncias. É por isso que a Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia e a Associação Pan-Americana de Medicina Canabinoide estão preparando uma campanha com pacientes, artistas e profissionais da saúde, para que os tratamentos não sejam prejudicados.

É bom voltar um pouco no tempo para entender a situação. Entre 2013 e 2014, repercutiram por aqui histórias de sucesso, no exterior, do emprego terapêutico do canabidiol em crianças com síndromes raras que sofriam com crises de epilepsia de difícil controle. Os pedidos de autorização para importação do produto logo começaram a chegar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A reboque da mobilização, o CFM – que determina que substâncias os médicos podem receitar – publicou resolução que autorizou o “uso compassivo” do canabidiol exclusivamente para o controle de epilepsia na infância e adolescência que fosse refratária a terapias convencionais. A prescrição deveria ser feita apenas por psiquiatras, neurologistas e neurocirurgiões.

A partir de 2015, quando a importação de produtos derivados da maconha foi regulamentada pela Anvisa, médicos de outras especialidades passaram a receitar a Cannabis para uma série de condições: entre eles, Doença de Alzheimer e Parkinson, dores crônicas e oncológicas, ansiedade e transtornos de sono, com resultados bastante positivos. Até que, em 14 de outubro de 2022, o CFM publicou a resolução 2.324/22, altamente restritiva, limitando sua utilização a síndromes convulsivas, como Lennox-Gastaut e Dravet. Além disso, proibia os médicos de ministrar palestras e cursos sobre o canabidiol.

O que o órgão não esperava era a reação dos pacientes e suas famílias: acabou anulando a resolução pouco depois, no dia 25 de outubro. No momento atual, não há uma resolução em vigor, e é esse o temor dos médicos, como explica a psiquiatra Ana Hounie, que tem doutorado e pós-doutorado pela Universidade de São Paulo e é presidente da Associação Médica Brasileira de Endocanabinologia:

“A resolução que deixou de vigorar fere o direito do médico de prescrever o que considera melhor para seu paciente, assim como o direito do paciente de escolher seu tratamento. Durante a pandemia, o Conselho preconizava que os médicos tinham total autonomia para prescrever cloroquina, apesar de estudos apontando sua ineficácia contra a Covid-19. E agora quer impedir essa mesma autonomia”.

Levantamento publicado na revista científica PLoS One, em 2022, já apontava que a legalização da Cannabis nos estados norte-americanos a transformaria numa alternativa às drogas convencionais. Para a poderosa indústria farmacêutica, haveria uma perda de faturamento em torno de três bilhões de dólares por ano. Para o pediatra Flavio Alves, presidente da Associação Pan-Americana de Medicina Canabinoide, somente a educação continuada dos profissionais de saúde mudará o cenário de desconfiança em relação à maconha medicinal. Ele cita duas iniciativas pioneiras, na Faculdade de Medicina do ABC e na Universidade Federal da Paraíba, que trouxeram a discussão para as salas de aula:

“Além de aliviar o sofrimento dos pacientes, ajuda na desprescrição de outros medicamentos. As pessoas deixam de usar ansiolíticos, antidepressivos, opioides. Queremos aprofundar a discussão sobre as patologias e todo o espectro de emprego dos canabinoides. O que aconteceu em 2022 foi um malefício, o contrário do juramento do médico”.

No começo do mês, o Globo Repórter levou ao ar programa sobre o uso medicinal da Cannabis. Sabe-se que a Anvisa, a quem compete a avaliação dos medicamentos – e que sempre teve um entendimento diferente do CFM – está desenvolvendo uma nova regulação de produtos à base de maconha, mas o órgão afirmou que não poderia antecipar avaliações sobre o cenário de sua utilização no país.