Golpistas usam SMS e WhatsApp para roubar dinheiro com falso emprego
Crises econômicas são terrenos férteis para a proliferação de golpes. E o avanço tecnológico acaba sendo um aliado de criminosos internacionais que tomam dinheiro com esquemas já conhecidos, mas que ganham novas roupagens para atrair novas vítimas. Um “velho golpe” que está novamente fazendo sucesso é o do falso emprego que promete grandes ganhos mas acaba é tirando dinheiro dos “funcionários”.
E o meio pelo qual as ofertas mirabolantes chegam tem sido o telefone celular, por meio de mensagens SMS ou em aplicativos, como WhatsApp e Telegram.
Os criminosos, que na maioria das vezes não estão no Brasil, conseguem milhões de números de telefone em pacotes que são vendidos na internet e enviam as mensagens com as ofertas.
Os textos que circulam costumam usar o nome de empresas grandes, como Amazon ou Mercado Livre, e oferecem vagas de meio período com salários que podem chegar a R$ 5 mil por dia. E tudo para trabalhar de casa, usando apenas o celular.
Parece bom demais para ser verdade – e é mesmo. Também parece falso demais para enganar alguém, mas é o suficiente para atrair “um mar de vítimas”, segundo o perito em crimes digitais Wanderson Castilho, cujo trabalho é ajudar quem cai nesse tipo de golpe.
“Pessoas que estão vivendo grandes dificuldades econômicas ficam com a capacidade de raciocinar limitada. Os criminosos miram essas pessoas fragilizadas e acabam tendo sucesso porque atuam de forma massiva. Se 1% de quem recebe a mensagem cai, o lucro já é enorme, porque eles tentam com, literalmente, milhões de potenciais vítimas, sabendo que algumas vão cair”, afirma.
Como funciona o golpe
O golpe do falso emprego em meio período está tão massificado que chega a virar piada nas redes sociais e motivar especialistas a “cair” de propósito para ver como funciona a engenharia desse crime.
A empresa de inteligência em segurança AllowMe, por exemplo, clicou em links para ver o que aconteceria. De acordo com o relato, após clicar, a pessoa conversa com um golpista que se passa por recrutador e é estimulada a passar alguns dados pessoais, como nome completo, RG e CPF.
É o primeiro risco do golpe, pois esses dados são valiosos na mão dos bandidos e podem ser vendidos ou usados para aplicar outros golpes ou abrir empresas ou contas-fantasma.
Em seguida, a vítima é cadastrada em uma espécie de plataforma de compras e ganha uma missão. É como um joguinho, no qual a pessoa precisa atingir objetivos para atingir as metas e, assim, ter os ganhos prometidos.
Nos sites de vendas, a vítima faz compras, mas normalmente paga via Pix para contas de pessoas físicas, um indicativo de que nada sequer é comprado. No perfil de quem foi enganado, porém, cada compra vira créditos, normalmente com um acréscimo de 30% ou 50%.
Só que esse saldo não existe. Se a pessoa tenta sacar, o sistema avisa que ainda faltam missões ou compras. E cada uma tem um valor maior do que a anterior, até que a “missão” se torna impossível… e a vítima percebe que caiu num golpe.
Tradução on-line
Editor do site Manual do Usuário, especializado em tecnologia, o jornalista Rodrigo Ghedin também relatou o que acontece ao se clicar em um desses links maliciosos. A experiência dele deixou claro que o crime é praticado por golpistas que sequer falam português e usam serviços de tradução on-line para mandar instruções pouco inteligíveis às vítimas.
O relato, publicado em abril deste ano, fez sucesso. Após se perceberem vítimas de um golpe, as pessoas tendem a pesquisar sobre ele, e mais de 300 usuários comentaram na postagem, somando mais de R$ 200 mil em prejuízos só de quem se manifestou ali.
Outras maneiras de perder dinheiro nesse tipo de golpe, além de fazer as compras falsas, é ser estimulado a pagar taxas de inscrição nas vagas ou a comprar cursos preparatórios para assumi-las. É tudo falso.
Número de vítimas é desconhecido
Faltam estatísticas oficiais sobre o número de vítimas de golpes virtuais no Brasil. Uma projeção feita pela empresa PSafe com base na população de usuários de Android no Brasil, cerca de 131 milhões de pessoas, estimou que mais de 6,5 milhões delas caíram golpes envolvendo falsas promessas de emprego entre janeiro e novembro de 2021.
De acordo como o perito em crimes digitais Wanderson Castilho, o Estado não consegue coibir esse tipo de crime, o que estimula os bandidos a investir cada vez mais nessas técnicas.
“Os criminosos vão ficando cada vez mais audaciosos porque não são punidos, não são identificados. A taxa de sucesso de investigações de crimes cibernéticos é muito baixa, tanto que as autoridades nem as divulgam, porque seria um vexame”, afirma ele, que acredita na informação como o meio mais eficaz de evitar o avanço dos golpes.
“O governo deveria fazer grandes campanhas explicando como funcionam os golpes e instruindo a população. Campanhas massivas sobre os métodos dos criminosos virtuais. Com informação, as pessoas estariam mais preparadas para não serem enganadas”, afirma ele.
Castilho usa suas redes sociais para divulgar informações sobre golpes e coordena uma espécie de associação de vítimas, com o objetivo de entrar com processos coletivos para tentar recuperar os prejuízos.
“As pessoas precisam reagir. Talvez, diante de muitas ações na Justiça, o Estado se veja forçado a tomar reações mais restritivas em relação a esses crimes”, aposta ele.
“Mas é difícil. A maioria das vítimas perde quantias não tão altas, digamos, uns R$ 300. Se essa pessoa registra um Boletim de Ocorrência, é óbvio que o caso irá para o fim de uma fila que prioriza crimes violentos, roubos com prejuízos maiores”, avalia o especialista.
Contexto socioeconômico
O desemprego e a queda na renda média são os fatores que tornam os brasileiros mais suscetíveis a cair em golpes como o do falso emprego. Apesar de ter recuado para 9,3% este mês, a taxa de desemprego no Brasil ainda é alta e corresponde a 10,1 milhões de pessoas.
Além disso, mesmo quem está empregado têm visto sua renda cair em um contexto de inflação alta. Em 2021, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a renda média dos brasileiros caiu 6% em relação ao ano anterior.