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Cristina Lacerda – A arte de envelhecer no lucro.

Cristina Lacerda – A arte de envelhecer no lucro.

Resolvi falar um pouco sobre as delícias de estar a envelhecer. No contexto histórico social, o medo e o preconceito de viver esta fase da vida sempre foi um processo desgastante em uma sociedade que não respeita seus idosos.
Estou a envelhecer num momento mais vivido e pleno… daí a importância de ter-me saído bem de uma determinada situação e tirar boas gargalhadas do episódio que irei relatar…

Convido os diretores da Rede Pública para passarmos um dia discutindo, tirando as dúvidas sobre a Inclusão Escolar.
Senti-me febril e cansada no final do dia e resolvi procurar um médico. Bem tratada na portaria, fiz minha ficha e fiquei aguardando ser chamada…

Qual minha surpresa ao deparar-me com um jovem médico que sequer levantou o olhar para mim. Puxei a cadeira, dei boa- tarde e falei meu nome.
Perguntou-me o que estava sentindo e falou-me:
– Vou interná-la.
Respondi que não queria e nem podia pois tinha mil coisas a fazer, tanto no trabalho como em casa.
Pediu-me que levantasse-me e pegando em meu rosto com força, para abrir a minha boca, dei um gemido… Então ele disse-me que a minha garganta estava cheia de placas.
Perguntou-me também se eu estava com COVID. Falei que não sabia, mas que já havia tomado a quarta dose da vacina e que sou imunizada há mais de 15 anos com a vacina de gripe.
Então chegou o momento melhor da consulta.
– A senhora é fumante?
Não. Já fui. Respondi.
– Quantos anos a senhora fumou?
Por 30 anos.
– Então começou na adolescência…
Sim. Com 15 anos.
– Quanto tempo deixou de fumar?
Há 11 anos.
Vou passar ressonância do pulmão, exames de covid e etc. etc….
Achei bacana, pelo menos desistiu de internar-me sem antes fazer os exames… Mas o ‘melhor’ estava por vir…
E então esse jovem médico, ainda sentado, disse-me:
” A senhora está no lucro “…
Sem acreditar no que ouvia, lembrei-me de meus filhos e netos se ouvissem aquilo…
De meu filhão ouviria: “Tá louco? Oxi”!
De meu Léo seria: “Fila de uma p…”
De minha neta mais velha em nome dos pequenininhos: ” Ah, minha vó! Se eu estivesse lá, eu diria que ele era um imbecil e que no lucro quem estava era a mãe dele”…

E assim foi a reação deles, com mais palavrão dito por meu Léo, porque a gente fala palavrão também…

Fiz os exames, deu tudo certo e por sorte, quando recebi todos os resultados, passava das 20h e ele não estava para o plantão daquela noite…
Pra resumi ao que me interessa relatar é que por mais que o preconceito persista, eu vivo minha melhor fase e aproveito as oportunidades pra fazer valer meus direitos, com um sorriso no rosto, mostrando como é bom poder estar neste momento, usufruindo de tudo que a vida me dá. Cito um momento único e prazeroso desta semana quando fui passar pelo recadastramento… Exigi educadamente minha prioridade de idosa feliz e fui atendida… portanto o lucro é lucro…

Em meu setor de trabalho tenho a idade de ser mãe da maioria das profissionais da Equipe Multidisciplinar e das Professoras Especialistas das Salas de Recurso Multifuncionais. Sao meninas ainda e poucas vezes elas retratam-me como como mãe. Sou a profissional.
Aprendo que não sou vítima de nada e não carrego amarguras. Afinal, só não envelhece quem morre cedo.
Sinto minhas saudades, e, por vezes ao olhar fotos antigas lágrimas escorrem pela face, devido as idas e partidas de quem amo e amei em plenitude, em vida. Deletei pessoas que me faziam mal, tratavam-me mal, e que deixei-me ser usada como forma de ser aceita, em benefícios delas mesmas…

Mas passou e as troquei por poetas, por pessoas amigas de fato, pelo meu trabalho tão seletivado, pois fica ali, permanece ali quem se identifica com o ser, pleno.

Troquei as conversas chatas pela tranquilidade de minha casa, no convívio com meu parceiro, filhos, noras e netos e verdadeiros amigos.
Por esses motivos e pessoas sim, vale a pena ter prazer e conviver e viver, envelhecer, aliás, lucrar da vida.
Nesta idade terceira, ouvi música de todos gêneros, contanto que sejam melodias de amor, deliciando cada letra e verso escrito, transporta-me para um mundo de esperança e assim a romantizo, pois sem romance não vale a pena viver.
Quero deixar para quando não mais estando aqui, o melhor das recordações, o sorriso escancarado mostrando os dentes, a fé inabalável no exemplo de Maria, a mãe de Jesus, o acreditar no outro, nas possibilidades como forma de acabar com as dificuldades na vida de quem tem limitações por sua condição.

Eu quero ser melhor do resto que me sobra de tempo…
E, dessa forma envelhecer servindo, produzindo algo de bom, pois apenas assim, tenho a sensação de que cada dia passado, eu vou lucrando em estar bem…
Muito bem.