Alimentos produzidos à base de insetos começam a ser vendidos na Europa
O consumo de alimentos de insetos não é nem um pouco incomum na espécie humana. Ao contrário. Na história da civilização, esses animais eram um alimento como outro qualquer. Até hoje, a prática é comum em países asiáticos, africanos e da América Latina. A nutróloga Marcella Garcez, diretora da Associação Brasileira de Nutrologia , explica que os insetos mais consumidos no mundo são formigas, besouros, lagartas e mariposas.
No México, gafanhotos torrados são consumidos como lanche ou aperitivo. Os grilos são consumidos na Tailândia e outras partes da Ásia. Na Europa mesmo, países como Bélgica, Inglaterra, Holanda e Finlândia já comercializavam em supermercados produtos com insetos para consumo humano, devido a uma brecha na lei do bloco. De acordo com uma estimativa das Nações Unidas, cerca de 2 bilhões de pessoas incluem insetos em suas dietas.
Você pode torcer o nariz para a ideia, mas a verdade é que os insetos são altamente nutritivos. Eles são ricos em proteína, mas também fornecem minerais e vitaminas, como ferro, cálcio, magnésio, manganês, fósforo, selênio e zinco. Além de fibras, gorduras saudáveis e todos os aminoácidos essenciais, que são fundamentais para o funcionamento do nosso organismo, mas não são sintetizados pelo corpo humano — a única forma de obtê-los é por meio dos alimentos.
De acordo com a nutricionista Priscilla Primi, colunista de O GLOBO e mestre pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), é possível obter os aminoácidos essenciais por meio do consumo de proteínas de origem vegetal, mas isso exige combinações.
“Precisamos de todos os macronutrientes, mas a proteína é fundamental para a manutenção das funções vitais do corpo. Sem proteína, nosso sistema imunológico fica debilitado, por exemplo. Temos que obter a proteína de algum lugar senão isso começa a ser tirado do corpo. Pode ser de origem vegetal, mas precisa de certas combinações para ter um alto valor biológico. Já nas proteínas de origem animal, seja ela qual for, todos os aminoácidos essenciais estão presentes”, explica Primi.
As larvas-da-farinha, por exemplo, fornecem as mesmas proteínas, vitaminas e minerais que o peixe ou a carne, enquanto os gafanhotos têm o mesmo teor de proteína que a carne moída magra, mas menos gordura.
Meio ambiente
Além de suas qualidades nutricionais, o consumo de insetos pode ser um importante aliado no combate às mudanças climáticas. Sua criação utiliza uma quantidade relativamente baixa de energia, água e solo.
Também há menor emissão de gases de efeito estufa, especialmente quando comparadas com as da produção de carne bovina ou suína, que estão entre as atividades humanas que mais contribuem para o aquecimento global. Os insetos também têm alta taxa de conversão alimentar, ou seja, com menos ração, ganham mais massa corporal, rendendo mais carne para consumo humano. Enquanto os gafanhotos convertem 2 kgs de alimento em um 1 kg de massa, os bois fazem essa mesma conversão na proporção de 10 para 1.
Outra vantagem dos insetos na comparação com os animais que costumamos consumir é o baixo risco de transmissão de doenças. Ao contrário do senso comum, esses animais são mais seguros, desde que criados e processados em condições controladas. Os animais utilizados em restaurantes ou nos produtos comercializados na Europa são criados em fábricas ou criadouros feitos especificamente para isso, que seguem todas as regras sanitárias exigidas para consumo humano. Ou seja, não é para sair por aí coletando insetos e comendo-os.
“Primeiro que não são todas as espécies que são próprias para o nosso consumo, segundo que aquilo que está na natureza pode ter patógeno”, alerta Garcez.
Mais de duas mil espécies de insetos comestíveis foram catalogadas em todo o mundo. No caso do Brasil, cerca de 100 espécies de insetos já são utilizadas como alimento, especialmente por povos indígenas, mas vai além dessas populações: as tanajuras ou içás são consumidas em vários estados brasileiros na forma de farofa. As formigas também são encontradas no cardápio de restaurantes de renome, como o D.O.M, em São Paulo, do chefe Alex Atala, e o Banzeiro, em Manaus, do chefe Felipe Schaedler.
No Brasil, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ainda não têm regulamentações para criação, venda e processamento dos insetos comestíveis. Algumas empresas, como a startup Hakkuna e a Ecological Food, ambas no interior de São Paulo, se preparam para produzir e processar insetos em escala industrial para o consumo humano. O setor pressiona a Anvisa para reconhecer os insetos como alimento para humanos, estabelecendo as normas.
Múltiplas apresentações
A ideia não é que os alimentos à base de insetos substituam completamente a carne de outros animais, mas que possam ser mais uma opção na busca por uma alimentação equilibrada e sustentável.
O principal benefício dos insetos é que eles são extremamente versáteis. Podem ser consumidos inteiros, mas também podem ser incorporados moídos ou em pó em pães, salgadinhos, massas, barras de cereal e produtos análogos de carne – na Alemanha, existe um hambúrguer feito com carne de inseto.
As gorduras, por exemplo, podem ser usadas para fritar e há um interesse crescente em desenvolver produtos lácteos, como leite derivado de insetos; ou mesmo bebidas alcoólicas.
Priscilla Primi acredita que “disfarçar” os insetos em outros produtos é o caminho para superar a desconfiança dos consumidores.
“Eu acho difícil a gente passar a comer inseto como acontece em países da Ásia. É uma questão cultural. Mas acredito que o caminho está nessas formulações, em forma de farinha, produtos similares à carne ou um composto proteico isolado à base de insetos para enriquecer a alimentação.”
A FAO aposta na entomofagia, o hábito de comer insetos, como uma das possíveis soluções para o problema da fome no mundo, especialmente levando em conta as previsões de que teremos 9 bilhões de pessoas no planeta até 2050.