Papa acena para padres casarem
Às vésperas de completar dez anos de pontificado, o Papa Francisco concedeu uma entrevista que tem gerado grande repercussão entre os fieis e a própria Igreja Católica.
O Papa Francisco disse que o celibato dos padres é uma medida temporária e que pode ser revista.
Em uma entrevista a um site de notícias da Argentina, Francisco lembrou que, mesmo dentro da Igreja Católica, os sacerdotes das igrejas que seguem o rito oriental podem se casar e que o celibato na igreja ocidental é apenas uma receita temporária.
A ordenação, essa sim, é para sempre, mesmo que o padre mais tarde deixe a igreja. Por isso, segundo Francisco, não há contradição no casamento de sacerdotes.
“Não há nenhuma contradição em que um padre se possa casar. O celibato na Igreja ocidental é uma prescrição temporária. Não sei se se resolve de uma forma ou de outra, mas é provisória”, argumentou.
O celibato é o estado até então imposto aos sacerdotes da Igreja Católica, que deve se manter em relacionamento somente com Deus. Ou seja, padre, bispos e arcebispos não podem ter relacionamentos amorosos ou mesmo se casar.
O “santo padre” afirmou que a medida é temporária e que, sim, por de ser revista pela instituição católica. Ele também reconheceu durante a entrevista que o celibato “pode levar ao machismo” e frisou a importância de ter mais mulheres nomeadas para cargos de responsabilidade no Vaticano.
Nesta segunda-feira (13), o papa completa dez anos à frente do Vaticano.
Mulheres no clero
Em abril de 2020, o papa Francisco determinou a criação de uma comissão para estudar um tema — e procurar avançar nele — que lhe parece muito caro desde o princípio de seu pontificado: o chamado diaconato feminino, ou seja, a ideia de que mulheres possam ser ordenadas diaconisas, assumindo funções hoje restritas a homens no catolicismo, como celebrar batismos e casamentos.
A ideia de reconhecer o papel das mulheres católicas dentro da Igreja, também dando a elas o direito de assumir um posto no clero, é uma das “promessas ainda não cumpridas” do papa argentino, eleito para comandar o Vaticano há 10 anos, em 13 de março de 2013.
Mas há uma resistência interna grande na Cúria Romana — o que pode inviabilizar essa mudança ainda dentro do atual pontificado.
Não é o único ponto que Francisco ainda não resolveu, vale ressaltar.
Apesar de seus discursos pedindo tolerância zero para casos de abusos sexuais praticados por religiosos — principalmente os que envolvem pedofilia —, coibir, investigar e punir na totalidade em uma instituição tão capilarizada é tarefa difícil, e essa chaga está longe de ser erradicada.
Na seara dos costumes, as dificuldades consistem no paradigma de tentar equilibrar 2 mil anos de doutrinas com comportamentos e realidades do mundo contemporâneo.
Assim, temas como união homoafetiva, métodos contraceptivos, aborto e casais em segunda união acabaram sendo tratados com uma visão pastoral de acolhimento — mas sem indícios de mudança nas regras históricas do catolicismo.
O fim da obrigatoriedade do celibato clerical é outro vespeiro no qual Francisco já ensaiou mexer. Sem resultados práticos. Nada mudou.
“Há algumas coisas que ele prometeu, entre aspas, e está entregando. E outras que não se resolvem mesmo de um dia para o outro”, afirma o vaticanista Filipe Domingues, vice-diretor do Lay Centre e professor na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma.
“E em alguns pontos havia uma expectativa popular de mudança, ou de algumas partes da Igreja, e ele se mostrou menos radical do que algumas pessoas esperavam.”
“Ele vai passar para a história como um papa corajoso, que teve a audácia de mexer em áreas muito sensíveis. Ele toca na ferida. Mas, aos olhos do mundo, parece que não avançou tanto”, diz o teólogo, historiador e filósofo Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
“Não resolve o problema porque há uma estrutura milenar, uma estrutura de poder. Seria preciso algumas gerações de pessoas com a mesma mentalidade de Francisco…”, comenta.
Pesquisadora da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, a vaticanista Mirticeli Medeiros considera “difícil que Francisco avance além do que aí está”.
“Em algumas pautas morais e disciplinares, ele sinalizou que não irá mexer, como a questão do celibato dos padres”, analisa ela.
“O que poderia ser revisto, ou pelo menos poderia se tornar matéria de debate, pelo que vamos acompanhando, mas não creio que haverá tempo hábil para isso, seria a questão do pensamento da Igreja em relação aos contraceptivos.”