Cada vez mais brasileiros transformam suas terras em área de proteção ambiental
Com a pressão sobre o planeta para frear as mudanças climáticas, áreas protegidas se tornam estratégias cada vez mais importantes para manter a vegetação em pé. E isso não depende só do poder público – pode ser feito também por donos de áreas particulares. “São pessoas que trabalham em silêncio por um bem maior, que é a natureza”, diz o empresário Fabio Padula, que transformou 37 dos 300 hectares de sua propriedade em reserva.
Localizada em Cavalcante (GO), no meio da Chapada dos Veadeiros, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN, o nome dado a esse tipo de área protegida) de Padula é uma entre várias outras transformadas em corredor de preservação no Cerrado. Foi descoberta por sua família há mais de 20 anos, mas só em 2020 houve a formalização.
“Essa área já era reserva no nosso coração, mas agora é formalmente uma reserva de proteção natural”, conta. Ele teve ajuda de entidades que trabalham para facilitar a obtenção da papelada exigida, como a Fundação Pró-natureza (Funatura) e o Instituto Cerrados.
No Brasil, há cada vez mais interessados no modelo, voltado a atrair proprietários de pequenas e médias fazendas, sítios, chácaras e loteamentos urbanos voltados a preservar a fauna e a flora. Entre os desafios estão a adoção de incentivos que garantam a sustentabilidade financeira dos espaços e a expansão por outros biomas, como o Cerrado.
Um estudo da Confederação Nacional de RPPNS, de setembro, aponta que cerca de 73% das áreas do tipo ficam na Mata Atlântica e cerca de 16% no Cerrado. Em biomas como a Amazônia, com mais unidades de conservação públicas e territórios indígenas, a presença das reservas privadas está em torno de 3,5%.
“Tenho muito prazer em viver aqui observando paisagens, acompanhando pesquisadores científicos em seus estudos”, afirmou Padula. Segundo ele, pesquisadores da USP também já estudaram a região localizando, por exemplo, mais de 4,1 mil cachoeiras de mais de 2 metros.
Laércio Machado de Sousa, coordenador técnico da Funatura, entidade que reúne várias RPPNS, afirma que “não há dúvidas sobre o avanço brasileiro” nessa política de proteção ambiental. Entre os benefícios para o dono de terras pela criação de uma RPPN estão isenção de Imposto Territorial Rural (ITR) da área criada, prioridade na análise de crédito agrícola e acesso a recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente.
Berço das águas
O Cerrado é considerado o “berço das águas” no País. Reúne três aquíferos: o maior é o Guarani, mas há ainda o Urucuia e o Bambuí. “Mas essa água está diminuindo com o passar dos anos”, diz Padula, que relata episódios de incêndio na vegetação. “Estamos sofrendo forte ameaça com um cerco de agro, do gado e ataques de gente que põe fogo no Cerrado.”
Em Goiás, municípios como Pirenópolis foram pioneiros no projeto nos anos 1990, ainda antes da criação da legislação específica. Fernando Madueño, engenheiro e ambientalista, é dono de duas RPPNS em sua propriedade, a 10 km de Pirenópolis. A primeira foi criada em 2011 e a segunda, em junho de 2021. Os espaços se tornaram pontos de visitação. “Na área de ecoturismo, locamos chalés com cozinha independente e natureza exuberante”, conta ele, engenheiro e ambientalista. A preservação, diz, também valoriza o terreno.
Geração de renda
Yuri Salmona é diretor executivo do Instituto Cerrados, que atua há dez anos no setor. Segundo ele, a legislação de RPPNS deveria ser aprimorada para permitir mais renda aos proprietários que adotam o sistema. Um dos modos de aumentar a adesão, dizem ambientalistas, é estimular a geração de renda com base no bioma em pé. “Precisamos criar maneiras para o dono da terra ter mais opções de renda com a RPPN como incentivo para atrair adesão”, diz Salmona. Ele acrescenta que a meta total do Instituto Cerrados é proteger 1 milhão de hectares até 2050. E as RPPNS são uma das principais estratégias para isso.
Por lei, essas áreas protegidas por RPPN só podem gerar renda com projetos de conservação, turismo, educação e pesquisa. Para o diretor do Instituto Cerrados, é também preciso permitir aos donos a comercialização sustentável de frutas e sementes de espécies nativas como forma de remuneração.
Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei 784/19, do deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que tenta aumentar incentivos para a criação de RPPNS, como isenção de ITR. O texto está na Comissão de Meio Ambiente.